Para todos os inadequados, deslocados

Tanta coisa que quero expressar, mas nem sei por onde começar. Talvez do início seja uma boa ideia. Bom... Vamos lá.

Quando criança, nunca gostei de pega-pega, esconde-esconde. Seja brincando de boneca, de escola, de casinha; sempre gostei de criar histórias. Nada de mirabolante, contos de fadas, atos heroicos. Era sobre a vida como ela é. Mas com um olhar sonhador, profundo. Claramente, algo assim me afastou dos coleguinhas, que preferiam correr, pular, gritar de um lado para o outro.

E enquanto crescia, o padrão se repetia. Eu buscava verdade, profundidade, conversas esperançosas, histórias inspiradoras. Nunca me encaixei no modus operandi comum de beber, comer, falar bobagem, ficar no superficial. Acabei mergulhando nos relacionamentos amorosos, nos quais podia me experimentar, emocionar, vulnerabilizar.

Por muito tempo, na ânsia por transparência e atenção, também me expus mais do que devia. Fotos, vídeos... Não apenas em conversas, mas em páginas, sites, perfil no Instagram. Neste último, cheguei a alcançar 6 mil pessoas, fazia LIVEs. Tudo pensando que estava apenas me apropriando do meu corpo, da minha vida. Achava que para ser livre, dona de mim, deveria quebrar todas as regras, padrões. Acabei quebrando foi a cara...

Afinal, este fantasma me assombra até hoje, a Internet é apenas uma ferramenta, mas que por conta do fator humano pode se tornar um mundo bastante cruel. Enfim, de qualquer forma, conforme fui amadurecendo mais e mais, entendi minhas motivações e mudei meu comportamento, acabei criando novos desejos, novos objetivos.

Ao me encontrar, me amar, me cuidar, quis ajudar o próximo a fazer o mesmo ou, como costumo dizer, estar bem consigo mesmo em toda sua complexidade do ser e de ser humano. Acontece que, como já dito, nunca tive grande sociabilidade. Comunicativa, extrovertida, expressiva sim. Mas, ironicamente, introspectiva. Estar em grupo, fazer parte de algo maior, uma comunidade, em larga escala nunca fez meu tipo. Sou das relações, diálogos de um para um, olho no olho.

Porém, ao entrar para o universo do marketing digital, me deixei levar pelos ideais de conexão, entrega, conteúdo, planos, demandas e me afastei de um lado artístico que sei que há aqui dentro e sinto que preciso me permitir mais a vivenciá-lo. O artista, o criativo é por muitas vezes solitário e não se encaixa no tempo e espaço colocados. Quando faz, é visceral, pois algo de fato precisa ser feito por mais do que fazer, é em prol da vida, do amor.

Meus melhores textos nascem da emoção, do afeto e não da exigência, cobrança de uma planilha no Excel. E se para me encaixar, eu precisar continuar a me desrespeitar, eu prefiro não, obrigada. Se você só puder estar conectado comigo se eu aparecer, publicar, estou dispensando. Sabe por quê? Porque eu cansei.

Cansei de fingir para mim mesma que um dia eu seria a pessoa rodeada de gente, diariamente. Cansei de acreditar que eu só não encontrei a minha tribo ainda. Cansei de sofrer por toda dor que há neste planeta e me desgastar para ser aquela que sempre tem algo bom a dizer. Cansei de desejar ser outra coisa que não eu mesma, mais expansiva, mais atrativa e sei lá mais o quê.

E aceitei. Aceitei minha solitude. Aceitei meus momentos de ficar na minha, quietinha. De não ter palavras ainda para explicar tudo que por vezes só sei sentir. De não saber a coisa certa a se dizer quando estou através de uma tela e não vejo quem me assiste. De ser muito melhor quando cuido de e me preocupo com quem já está perto do que quando quero salvar toda a humanidade.

E tantas coisas mais...

Portanto, a partir de hoje, eu não vou mais me cobrar, me forçar. Não vou mais lutar por reconhecimento e afeto. Vou apenas ser eu, escrever o que precisa ser dito, escrito e silenciar sempre que necessário também. Há alguns dias, assisti a última entrevista de Clarice Lispector antes de falecer. Lá ela dizia algumas coisas com as quais aprendi muito e que tem tudo a ver com tudo isto.

Coisas como preferir se manter amadora, do que tornar-se profissional, pois a obrigatoriedade e o compromisso tiram a liberdade e o propósito; não saber porque escrever, e mesmo assim continuar escrevendo; e o papel do escritor ser justamente o de falar o menos possível.

Então, aqui, me calo.